Frases que contam trajetórias de vida

Foto: Camila Sérgio

Com diversão e emoção, depoimentos reais fazem parte da montagem “Olivier e Lili: Uma História de Amor em 900 Frases”, que estreia nesta quinta (30), no Teatro Hermilo Borba Filho, em curta temporada

Estreia nesta quinta-feira (30), no Teatro Hermilo Borba Filho, a montagem adulta Olivier e Lili: Uma História de Amor em 900 Frases, do Teatro de Fronteira, a partir da peça “Les Drôles”, da dramaturga franco-búlgara Elizabeth Mazev, texto inédito no Brasil, com tradução, adaptação e direção de Rodrigo Dourado. A montagem mistura a trajetória de vida dos atores Leidson Ferraz e Fátima Pontes (em depoimentos reais sobre suas memórias de infância e juventude, com várias inserções de fotos e vídeos - algo raro de se ver no teatro, bem confessional) com o próprio texto da dramaturga Elizabeth Mazev.

A obra, uma declaração de amor ao teatro e à independência humana, revela a história verdadeira da dramaturga Elizabeth Mazev e de Olivier PY, hoje, dois aclamados artistas do teatro francês, e a simbiose de trajetória destes quatro artistas – que vivenciam o teatro desde pequenos – é proposta. A convivência da dupla francesa, desde a infância, é retratada com muito humor e poesia, e o resultado é uma amizade para lá de inusitada.

A peça tem um caráter confessional também e uma intimidade muito próxima ao público. O texto original é um exemplar do teatro contemporâneo, bem diferente na forma. E o público vai se perguntar o que é real, ficção, tudo numa linguagem bem curta, bem ao estilo das conversas na Internet. São frases que contam trajetórias. O espetáculo só foi possível graças ao incentivo do Funcultura e do Prêmio de Fomento às Artes Cênicas da Prefeitura do Recife.


Foto: Camila Sérgio
Ainda na equipe técnica – dramaturgismo – Wellington Júnior; videomaker: Márcio Andrade. Preparação de elenco: Marianne Consentino. Iluminação: Játhyles Miranda. Direção musical: Marcelo Sena. Preparação corpo/vocal: Carlos Ferrera. Maquiagem: Gera Cyber. Direção de arte: Júlia Fontes.

Em curta temporada no Teatro Hermilo Borba Filho, de quinta a domingo, dias 30 e 31 de agosto e dias 1, 2 de setembro, nesta semana, e, na outra, dias 6, 7, 8 e 9 de setembro (quinta a domingo), sempre às 20h. Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (estudantes, professores e maiores de 60 anos).

Mais - Desde que assinou a função de dramaturgista no espetáculo “Psicoses”, inspirado na obra “4.48 Psychoses”, de Sarah Kane, em 2006, sob direção de Wellington Júnior e com alunos da Escola Sesc de Teatro no elenco, Rodrigo Dourado vem pesquisando a dramaturgia contemporânea no mundo. Tanto que já reuniu, em acervo particular, mais de 200 textos estrangeiros de dramaturgia contemporânea descobertos pela Internet, quase todos sem tradução para o português – a maioria em espanhol – e muitos nem publicados. Em 2009, Rodrigo traduziu e dirigiu “CHAT”, obra inédita no Brasil do venezuelano Gustavo Ott, outro autor desta linhagem contemporânea, descoberto pela Internet, já que disponibiliza em site toda sua dramaturgia; e, no ano passado, dirigiu a leitura dramatizada de “Striptease”, da argentina Lola Arias, no projeto Leia-se Terça, do Espaço Muda, outro exemplo da dramaturgia contemporânea estrangeira. Desde então, buscava uma outra peça adulta para dois atores e acabou descobrindo “Les Drôles”, da dramaturga franco-búlgara Elizabeth Mazev, através de um festival de dramaturgia europeia contemporânea no Chile. A escrita diferenciada da autora, priorizando frases curtas e narrando trajetórias de vidas tão surpreendentes em um curto espaço de tempo, já encantou Rodrigo desde a primeira leitura.

Mas o que ele chama de dramaturgia contemporânea? “É difícil até de conceituar, por ser uma questão bem polêmica, mas é essa dramaturgia que quebra com a narrativa linear, com os conceitos clássicos de personagem, de tempo, espaço e do próprio conceito de drama como conflito, ação”. Ele cita como o panteão mais representativo desta dramaturgia, criadores como Samuel Beckett, Heiner Muller, Bernard Marie-Koltès, Jean Luc Lagarce e Sarah Kane. “Mas há muitas outras pessoas que estão tentando encontrar temas contemporâneos – e aqui entram o terrorismo, a migração, os conflitos religiosos e a própria Internet, para citar alguns exemplos – dando-lhes uma forma que não seja as tradicionais dramatúrgicas, ou seja, a ação com começo, meio e fim, com personagens com identidade clara, reconhecível, fixa ou com um conflito central. Para resumir: é tudo que quebra com os padrões da dramaturgia tradicional”, conclui.

Para Rodrigo, a dramaturga Elizabeth Mazev, que também é atriz, derruba e preserva com algumas das características da dramaturgia tradicional, “por exemplo, ela preserva os personagens, mas dá um tratamento diferenciado a eles”. “Les Drôles”, cuja tradução poderia ser “Os Divertidos”, apresenta vários momentos da trajetória de vida real de Olivier Py e dela própria, Elizabet Mazev, de apelido Lili, contada num curto período de tempo. “Aqui, eles se relacionam com vários conflitos desde a infância – quando se conhecem, mas os dois personagens não são definidos apenas por uma característica, não são planos e, sim, multifacetados”, aponta Rodrigo. O texto foi escrito e lançado à cena em 1993, na França, com direção de Olivier Py e tendo o próprio e Elizabeth Mazev no elenco. “A obra é do começo da Internet, mas não é francamente inspirada nela. No entanto, tem muito a ver com esse padrão de narrativa da Internet, um discurso curto, direto, conciso e de forma fragmentada. Parece ser muito superfície, mas toca em questões bem profundas e até densas da experiência humana, como a perda, a morte e a saudade”, diz.

MEMÓRIA – Segundo Rodrigo Dourado, o que mais o interessou em “Les Drôles”, e que ganhou o título “Olivier e Lili: Uma História de Amor em 900 Frases”, com tradução dele em parceria com Wellington Júnior, é a relação que o texto mantém com a memória. “A peça lembra um diario em que você vai contando sua história de vida aos pouquinhos. Essa possibilidade de encenar uma memória real me encantou e, principalmente, em como transformar em teatralidade uma vida de verdade. Para isso, foi preciso encontrar nessas vidas situações teatrais nos seus principais conflitos”. O curioso é que não só a trajetória de Olivier e Lili estará em cena, mas dos próprios atores que os irão interpretar, Leidson Ferraz e Fátima Pontes. “No começo do processo eu não fazia ideia que mexeria com a memória dos atores. Para mim, seria apenas daqueles personagens da escrita, mas o real tomou conta ainda mais desta aventura”. Rodrigo cita outros aspectos que o interessaram neste exemplar da dramaturgia contemporânea francesa: “um humor irônico, sagaz, rápido, bem dos tempos de hoje. Não é nada grosseiro ou desbragado. E nos instiga a um riso de canto de boca, até por trazer uma certa delicadeza, uma poesia na escrita, mas também com ironia bem contemporânea”, aponta.

Essa junção da realidade francesa, que estava no papel, e a dos próprios atores, inclusive, em sua relação com o diretor – os três são amigos desde 1997/1998 – nasceu de um conflito que existia desde o início da tradução: “Esta história é muito próxima, porque a gente se identifica com a vida das personagens, mas também muito distante, pelas referências à cultura francesa nos programas de TV, música, literatura e cultura pop. Era um risco, por exemplo, não respeitar os nomes das dezenas de personagens citados na trama – cada ator faz cerca de 15 tipos diferentes. Seria uma violência ao texto. A proposta não era atualizar no sentido temporal – a história gira em torno dos anos 70 e 80 – mas para a nossa realidade. Discutindo com Wellington Júnior, que me ajudou no dramaturgismo, surgiu essa possibilidade de cruzar a memória das personagens com a nossa, a brasileira. Assim, a infância e juventude de muita gente vai aparecer no palco”, comenta.

O estudo do teatro performativo deu a certeza a Rodrigo de apostar nessa linguagem bem contemporânea onde o teatro está cada vez mais misturado à performance e à própria realidade, mas buscando um link com o poético. Foi assim que essas intervenções da realidade no teatro começaram a interessar bastante a Rodrigo. Nasceu, assim, a sua ideia de encenação. Inicialmente, além de Fátima Pontes, o ator Henrique Ponzi estava escalado para o elenco, mas sua ida para São Paulo fez nascer o convite ao ator Leidson Ferraz. “O meu processo é muito aberto e várias descobertas do processo, verdadeiros achados, foram sendo incorporadas. E esse cruzamento da vida dessas quatro figuras me surpreende até hoje”, desabafa.

A memória, então, norteia o conceito da montagem. A dos personagens da ficção/realidade, dos atores em cena – com carreira desde a década de 1990 e nunca haviam trabalhado juntos – e a do próprio teatro e suas possibilidades de linguagem. “São muitas camadas de memória”. E tudo para contar uma grande história de amizade... e de companheirismo, acima de tudo.

Serviço:
Teatro Hermilo Borba Filho
Av. Cais do Apolo, s/n,  Bairro do Recife
3355-3321 / 3355-3320

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