Monteiro


Texto Raquel Freitas 
Fotos Joás Benedito
Sem nos darmos conta, o bairro do Monteiro nasce tímido entre a profusão necessária da cidade grande. Erguido pela força dos exuberantes e modernos prédios, o bairro que é elo entre o Poço da Panela e Apipucos, resiste às estruturas do passado para que a história não seja apagada da nossa memória. Basta entrarmos em contato com arquitetura provinciana das antigas mansões para entendermos que a convivência diária entre os vizinhos construíam sem pretensão a história do pequeno bairro que por vezes é confundido com os bairros mais próximos.
Situado à beira do Rio Capibaribe, o bairro foi considerado no século XlX um lugar de veraneio. Com a chegada da estação mais quente do ano, as famílias mais tradicionais iam ao bairro em busca de um local onde se pudesse rir e festejar. Com a família do ex-governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro não foi diferente, o clima agradável e a arborização o levaram a comprar uma casa nesse logradouro. O bairro inspirou o escritor pernambucano Carneiro Vilela a escrever seu romance A emparedada da Rua Nova, que contém trechos relatando o início do povoamento de forma bem vívida. Mesmo com o passar do tempo, o Monteiro continua sendo palco de grandes momentos de inspiração. Moradora do bairro desde os anos de 1950, a cineasta Kátia Mesel estreou em 1997 o documentário Recife de fora pra dentro, inspirado na obra de Gilberto Freyre e ambientado às margens do Rio Capibaribe.
Localizado na Zona Norte da cidade, o bairro do Monteiro dá as boas-vindas ainda na Avenida Dezessete de Agosto quando a Praça Silva Jardim, mais conhecida pelos moradores como Praça do Monteiro, surge como um recanto para as crianças brincarem no fim de tarde. “Antigamente nesta Praça tinha três carolinas, eu e meus amigos ficávamos brincando dentro das árvores”, afirma a nossa guia Kátia Mesel. Em frente a esse “miniparque”, encontramos uma escola pública de referência que recebe o nome oficial da Praça, Escola Silva Jardim.

Habituada ao bairro desde a infância, Kátia “defende” das grandes construtoras parte do patrimônio da família. “Lutei para que a mansão permanecesse no mesmo lugar”, afirma. Em frente ao prédio onde mora, localizado na Rua de Apipucos, um casarão registrado com o nome da família – Martins Mesel – guarda em suas estruturas momentos de uma época que resistem ao tempo. Caminhando pelas ruas do bairro, ou melhor, percorrendo o trajeto de carro, pois nesse dia a chuva não deu trégua, percebemos que outras residências continuam inertes às grandes construções civis erguidas no seu entorno. Ainda na Praça do Monteiro, uma residência chama nossa atenção, de cor alaranjada e imperiosa, a antiga casa do ex-governador Cid Sampaio é porta de entrada de um belo endereço residencial.
Parada ainda na Praça, Kátia lembra seu primeiro contato com os movimentos culturais. “Em frente à minha casa tinha a venda do Seu Antônio, ele organizava festas em datas comemorativas e trazia atrações como pastoril, caboclinho e mamulengo. Era aqui que começavam as nossas relações com os vizinhos”, relembra.
Saindo da Praça indo em direção à Rua Pinto de Campos, nós nos defrontamos com a Rua Tapacurá. Em busca de uma atração gastronômica, encontramos um bar com uma proposta diferenciada do mercado atual. Na entrada, latas de refrigerantes enfeitam o ambiente reafirmando o posicionamento do bar e restaurante Capibar. “Somos um ponto de referência muito forte para a comunidade, trabalhamos em um espaço que tem a finalidade de alertar as pessoas, além de fazermos parcerias com as escolas municipais. Trazemos as crianças para cá com o intuito de chamar a atenção para a questão da poluição do Rio Capibaribe”. Afirma uma das fundadoras do projeto Recapibaribe e dona do bar Socorro Catanhede.

Localizado à beira do Rio, o bar cria um círculo de resistência às empreitadas audaciosas e atiça a comunidade para a preservação do Capibaribe. “Incentivamos a galera a trazer o seu próprio copo e as bebidas são oferecidas em garrafas retornáveis”, enfatiza Socorro.
Saindo do Capibar, vamos em direção aos extintos Cine Diacuí e padaria Monteiro. No sentido da Avenida Dezessete de Agosto, entramos novamente pela Rua Pinto de Campos, saindo no antigo itinerário: Praça do Monteiro. Mais à frente, sentido Estrada do Arraial, entramos numa rua que se assemelhava a uma ladeira, chamada Rua Doutor Eurico Chaves. É lá que atualmente a extinta padaria dá espaço para o lava a jato. “Vínhamos comprar pães bem quentinhos para depois irmos ao cinema”, conta Kátia a respeito das peripécias que ela e os irmãos aprontavam. Depois da padaria, encontramos um cruzamento que acesso a outros bairros, como o Alto Santa Izabel pela Rua Santa Izabel, e o Apipucos pela Rua Tramandaí.
Ainda no cruzamento, encontramos em vez do cinema do bairro uma quitanda fornecendo alimentos para a comunidade. “Meus pais não deixavam a gente frequentar este cinema, porque eles passavam filmes de violência, aqueles de bangue-bangue...”, explica Kátia, referindo-se às aventuras das sessões proibidas.
Com a chuva já cessada constatamos que o bairro do Monteiro já não possui bondes atravessando a cidade, muito menos vemos as senhoras encostadas nas portas conversando sobre a vida alheia. Agora a paisagem, apesar de conter os mesmos elementos da época, distancia-se das casas de verão e se aproxima das cenas corriqueiras vividas pelos moradores das grandes metrópoles.

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